[Hoje, enquanto esperava pelo pequeno almoço peguei no jornal e comecei a ler (o tempo de espera para comer de manhã aflige-me e tenho que me entreter com alguma coisa!). Entre outras coisas 'interessantes', como o uso excessivo do telemóvel por parte dos adolescentes e do envio de SMS, que por ser em excesso cai no campo do patológico (é uma barbaridade o número de SMS enviado, por adolescentes, num mês!), li esta crónica e achei engraçado. Não só porque há dias falei acerca disto mas também por ter um caso parecido bem próximo.]
Está na moda ter medo, é 'fashion', nas ruas de Nova Iorque não se fala em outra coisa. As pessoas têm medo de tudo, aposto que haverá alguém, neste preciso momento, a ter medo deste artigo, a tirar o jornal ao chão e a correr pelas ruas da cidade aos gritos. O medo tornou-se numa marca mais poderosa do que a Channel e em nome dele praticam-se as maiores atrocidades como se este fosse um novo Deus. As pessoas têm medo e eu não as censuro porque também o tenho. Mas não tenho medo de tudo. O Mundo ocidental está a ser derrotado por isto, por este medo doentio, como se tivesse uma arma apontada à cabeça. As pessoas têm medo de falar, de escrever, de dizer o que pensam por temerem perder o emprego, os amigos, a mulher e os filhos e sobretudo a vida que têm ou pensam ter. Daí que seja comum que as pessoas que não têm uma vida, não tenham medo de nada. porquê não há nada a perder.
Quando se perde a vida, ficamos com uma coragem de Rambo à nossa volta e com a faca na boca, deslizando pela cerrada vegetação. Estamos dispostos a honrar a vida que nos tiraram, subtraindo a vida de outros, como se isso devolvesse a nossa.
Engano. A vida que nos é tirada não nos é devolvida deste modo, mas exactamente de forma oposta. É ao darmos a vida a outros que ganhamos de novo a nossa, mas não é fácil perceber isto, porque existe essa coisa a que chamamos vingança. As pessoas passam a vida a vingar-se da vida que têm ou da vida que não têm, já não sei bem. Mas o que sei é que, se não houvesse vingança, não mataríamos tanto, inclusivamente a nós próprios.
[...]
Mas existe medo - Ó o medo, Deus, credo! - e é esse barulho que ouvimos a altas horas da madrugada na cozinha, que nos impede de sair do quarto quando é quase certo que foi o tacho mal posto que terá caído sem que ninguém lhe tocasse. O mundo tem de sair do quarto sem medo e sem perguntar 'Está ai alguém?'. Porque se estiver alguém esse alguém nunca irá responder com o tal medo que nos permite localizá-lo e fazer-nos disparar com o medo que trazemos. Porque é isto que aprendi nos filmes de acção. Por que o Rambo nunca pergunta se está aí alguém? Porque não está ninguém. Porque tudo não passa de um tacho mal posto no armário da cozinha.
Fernando Alvim, Jornal Metro
Quando se perde a vida, ficamos com uma coragem de Rambo à nossa volta e com a faca na boca, deslizando pela cerrada vegetação. Estamos dispostos a honrar a vida que nos tiraram, subtraindo a vida de outros, como se isso devolvesse a nossa.
Engano. A vida que nos é tirada não nos é devolvida deste modo, mas exactamente de forma oposta. É ao darmos a vida a outros que ganhamos de novo a nossa, mas não é fácil perceber isto, porque existe essa coisa a que chamamos vingança. As pessoas passam a vida a vingar-se da vida que têm ou da vida que não têm, já não sei bem. Mas o que sei é que, se não houvesse vingança, não mataríamos tanto, inclusivamente a nós próprios.
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Mas existe medo - Ó o medo, Deus, credo! - e é esse barulho que ouvimos a altas horas da madrugada na cozinha, que nos impede de sair do quarto quando é quase certo que foi o tacho mal posto que terá caído sem que ninguém lhe tocasse. O mundo tem de sair do quarto sem medo e sem perguntar 'Está ai alguém?'. Porque se estiver alguém esse alguém nunca irá responder com o tal medo que nos permite localizá-lo e fazer-nos disparar com o medo que trazemos. Porque é isto que aprendi nos filmes de acção. Por que o Rambo nunca pergunta se está aí alguém? Porque não está ninguém. Porque tudo não passa de um tacho mal posto no armário da cozinha.
Fernando Alvim, Jornal Metro
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