quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Ui, ca medo!

[Hoje, enquanto esperava pelo pequeno almoço peguei no jornal e comecei a ler (o tempo de espera para comer de manhã aflige-me e tenho que me entreter com alguma coisa!). Entre outras coisas 'interessantes', como o uso excessivo do telemóvel por parte dos adolescentes e do envio de SMS, que por ser em excesso cai no campo do patológico (é uma barbaridade o número de SMS enviado, por adolescentes, num mês!), li esta crónica e achei engraçado. Não só porque há dias falei acerca disto mas também por ter um caso parecido bem próximo.]

Está na moda ter medo, é 'fashion', nas ruas de Nova Iorque não se fala em outra coisa. As pessoas têm medo de tudo, aposto que haverá alguém, neste preciso momento, a ter medo deste artigo, a tirar o jornal ao chão e a correr pelas ruas da cidade aos gritos. O medo tornou-se numa marca mais poderosa do que a Channel e em nome dele praticam-se as maiores atrocidades como se este fosse um novo Deus. As pessoas têm medo e eu não as censuro porque também o tenho. Mas não tenho medo de tudo. O Mundo ocidental está a ser derrotado por isto, por este medo doentio, como se tivesse uma arma apontada à cabeça. As pessoas têm medo de falar, de escrever, de dizer o que pensam por temerem perder o emprego, os amigos, a mulher e os filhos e sobretudo a vida que têm ou pensam ter. Daí que seja comum que as pessoas que não têm uma vida, não tenham medo de nada. porquê não há nada a perder.
Quando se perde a vida, ficamos com uma coragem de Rambo à nossa volta e com a faca na boca, deslizando pela cerrada vegetação. Estamos dispostos a honrar a vida que nos tiraram, subtraindo a vida de outros, como se isso devolvesse a nossa.

Engano. A vida que nos é tirada não nos é devolvida deste modo, mas exactamente de forma oposta. É ao darmos a vida a outros que ganhamos de novo a nossa, mas não é fácil perceber isto, porque existe essa coisa a que chamamos vingança. As pessoas passam a vida a vingar-se da vida que têm ou da vida que não têm, já não sei bem. Mas o que sei é que, se não houvesse vingança, não mataríamos tanto, inclusivamente a nós próprios.

[...]

Mas existe medo - Ó o medo, Deus, credo! - e é esse barulho que ouvimos a altas horas da madrugada na cozinha, que nos impede de sair do quarto quando é quase certo que foi o tacho mal posto que terá caído sem que ninguém lhe tocasse. O mundo tem de sair do quarto sem medo e sem perguntar 'Está ai alguém?'. Porque se estiver alguém esse alguém nunca irá responder com o tal medo que nos permite localizá-lo e fazer-nos disparar com o medo que trazemos. Porque é isto que aprendi nos filmes de acção. Por que o Rambo nunca pergunta se está aí alguém? Porque não está ninguém. Porque tudo não passa de um tacho mal posto no armário da cozinha.


Fernando Alvim, Jornal Metro

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